quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens


O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: "Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!". Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de não mais poder ficar como estavam: porque essa ideia de propriedade, dependendo muito de ideias anteriores que só puderam nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano: foi preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último termo do estado de natureza. Retomemos, pois, as coisas de mais alto, e tratemos de reunir, sob um só ponto-de-vista, essa lenta sucessão de acontecimentos e de conhecimentos na sua ordem mais natural.
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Jean-Jacques Rousseau. Origem da desigualdade entre os homens - Parte 2.

Do Contrato Social de Rousseau



Quanto mais bem constituído for o Estado, tanto mais os negócios públicos sobrepujarão os particulares no espírito dos cidadãos. Haverá até um número menor de negócios particulares, porque, com a soma da felicidade comum fornecendo uma porção mais considerável à felicidade de cada indivíduo, restar-lhe-á menos a conseguir em seus interesses particulares. Em uma pólis bem constituída, todos correm para as assembleias; sob um mau governo, ninguém quer dar um passo para ir até elas, pois ninguém se interessa pelo que nelas acontece, prevendo-se que a vontade geral não dominará, e porque, enfim, os cuidados domésticos tudo absorvem. As boas leis contribuem para que se façam outras melhores, as más levam a leis piores. Quando alguém disser dos negócios do Estado: Que me importa? – pode-se estar certo de que o Estado está perdido. A diminuição do amor à pátria, a ação do interesse particular, a imensidão dos Estados, as conquistas, os abusos do governo fizeram que se imaginasse o recurso dos deputados ou representantes do povo nas assembleias da nação. É o que em certos países ousam chamar de Terceiro Estado. Desse modo, o interesse particular das duas ordens é colocado em primeiro e segundo lugares, ficando o interesse público em terceiro. A soberania não pode ser representada pela mesma razão por que não pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade geral e a vontade absolutamente não se representa. É ela mesma ou é outra, não há meio-termo. Os deputados do povo não são, nem podem ser seus representantes; não passam de comissários seus, nada podendo concluir definitivamente. É nula toda lei que o povo diretamente não ratificar; em absoluto, não é lei. O povo pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma vez estes eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso, que dela faz, mostra que merece perdê-la.
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Jean-Jacques Rousseau. Do contrato social. São Paulo: Abril, 1973, livro III, cap. XV, p. 111-114 (com adaptações).

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Carta do Chefe Seatle para o Presidente dos Estados Unidos em 1850

O que ocorrer com a Terra, recairá sobre os filhos da Terra. Há uma ligação em tudo. Como que é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da Terra? Essa ideia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?

Cada pedaço dessa terra é sagrado para o meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência do meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela Terra, pois ela é mãe do homem vermelho. Somos parte da Terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro e o homem – todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós.

Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala dos acontecimentos e lembranças da vida de meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.

Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar-se e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar ao rio a bondade que dedicaram a qualquer irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o significado de qualquer outra coisa, pois é forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Tratam sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra deixando somente um deserto.

Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades ferem os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.

Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar das flores e folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio encrespando a face do lago, é o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro – o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhe vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.

Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos.

Sou um selvagem e não compreendo nenhuma outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonado pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos?

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.

Vocês devem ensinar as suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a Terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas: que a Terra é nossa mãe. Tudo o que acontece à Terra, acontecerá aos filhos da Terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a Terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorre com a Terra recairá sobre os filhos da Terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo. Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos – e o home branco poderá vir a descobris um dia; nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que o possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A Terra lhe é preciosa e feri-la é desprezar seu criador. Os homens brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios desejos.

Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens e a visão dos morros obstruídas por fios que falam. Onde está a águia? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência. 
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Carta que o Chefe Seatle escreveu ao presidente dos Estado Unidos em 1850, quando o governo americano propôs comprar as terras de seu povo. FYI: FOR YOU INFORMATION. São Paulo: União Cultural Brasil-Estados Unidos. Vol. 3, n. 3, setembro de 1995.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O Nascimento da Filosofia Ocidental

Por volta dos séculos VI e VII antes de Cristo, surgia na Grécia Antiga o que chamamos de FILOSOFIA, ou seja, o "amor ao saber". Naquela época, a Grécia correspondia ao território que se estendia por todo o lado sul do mar Mediterrâneo, neste imenso território, especificamente na Jônia, nascera Tales de Mileto (643-546 a.C.), aquele que viria a se tornar o primeiro filósofo, é claro que Tales não foi apenas um filósofo, ele também desenvolveu teoremas matemáticos, geométricos e realizou estudos astronômicos.

No entanto, o que importa é que em tempos tão remotos nos quais a humanidade se baseava em explicações míticas sobre o universo Tales conseguiu fazer o inesperado. Era comum acreditar que os deuses tinham o domínio sobre o destino da humanidade. Já para o raciocínio filosófico esse fato tornava-se questionável, inclusive os fatos de natureza física, ou até mesmo a noção sobre a origem do cosmos.

Aliado a todo esse contexto, havia também outro fato que coincidia com o surgimento da filosofia, era a formação das Pólis, isso mesmo, aquele período foi testemunha da edificação de diversas Cidades-Estados, cada uma com política, crença, leis e modo de viver bem distintos entre si. Este ambiente foi propício para a prática do discurso (logos).

Sem essas condições não seria possível considerar que Tales inaugurou a filosofia, isso também não significa que Tales foi o único filósofo, na verdade, Tales só deu o passo inicial quando se propôs responder a pergunta fundamental da época: Qual a origem de todas as coisas e do universo?

A resposta para essa pergunta pode não ser a mais adequada, mas foi a partir da reflexão sobre a água como ARCHÉ que surgiram outros filósofos, como: Anaximandro, Anaxímenes, Pitágoras, entre outros mais.

Porém, a ruptura entre mito e razão não foi um processo brusco e rápido, de fato a transição ocorreu de modo lento e progressivo, até porque, muitos filósofos fizeram uso do mito como meio de explicação sobre a realidade por se tratar de um instrumento eficaz de analogia.

Portanto, a filosofia não nasce do nada, ela surge do simples ato de questionar, raciocinar e discursar. Se Tales preferiu ser chamado de filósofo em vez de mestre foi porque se considerava um simples aprendiz e eterno apaixonado pelo saber. Esse tipo de postura contagiante se tornou na semente da sabedoria.

Copyright(C) 2011 por Fabiano Lima Simor.
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A História das Coisas

Segue abaixo um vídeo ilustrativo sobre a extração, produção, distribuição, consumo e descarte dos objetos produzidos na indústria. Ve...