quarta-feira, 9 de setembro de 2009

1.2. A Pólis Platônica


Daqui em diante tomaremos o conceito de pólis esboçado no texto anterior para poder associá-lo à pólis platônica, e com base no pensamento platônico iremos verificar se ambas são semelhantes acerca do modelo de Homem e de virtude. Pois, como já vimos, a pólis grega surge de um ideal político que tem por virtudes a coragem e a noção de justiça, de modo que regulam a conduta de seus cidadãos, não obstante a isso, a pólis platônica também é fundada por um ideal político, mas que tem por virtudes a justiça, a temperança, a coragem e a sabedoria (cf. A REPÚBLICA, 427e). Esboçaremos esse ideal político proposto por Platão no decorrer desse mesmo subcapítulo.

Desta maneira, referente à fundação da pólis platônica, nós encontraremos nos Livros IV e V da República a base para a reflexão sobre o ideal platônico de um Estado perfeito concebido como Estado justo e ao lugar do filósofo no governo desse Estado. Paralelo a isso consta que o Estado platônico é constituído basicamente por três tipos de habitantes, que são: os produtores, os guerreiros e os governantes, e nisso a primeira vista ela se assemelha a qualquer outra pólis grega, pois como toda cidade, ela carece de bens, de guarnição e de governo, ou seja, originalmente a cidade é assim porque os Homens não são auto-suficientes (cf. A REPÚBLICA, 369b). Contudo, essa semelhança é meramente superficial e equívoca, pois Platão tem suas razões para estruturar a cidade-estado em apenas três grupos de habitantes, porquanto ela está intimamente relacionada com o modelo de alma entendido por ele. Mas isso deixaremos para ser abordado mais adiante, por hora vejamos como que os habitantes se dispõem nessa estrutura da pólis platônica.


Assim no que se refere aos produtores, esse é aquele grupo formado pelos artífices e agricultores, logo, esses não se dão aos cargos públicos (cf. A REPÚBLICA, 565a). Mas isso ocorre porque para Platão, nos produtores não predominam a alma racional. Portanto, dentro do modelo político aristocrático pensado por Platão há uma exclussão dos trabalhadores referente ao exercício dos cargos público. Porém, isso não é, em hipótese alguma, uma afirmação de que o povo ateniense não exerceu algum cargo público no período da democracia grega registrado na história do século IV a.C. Sobre isso Bobbio afirma expressamente que foi a partir de Sólon que os cidadãos constituíram a assembléia (cf. BOBBIO, 1998 p. 952).

Contudo, para confirmar as palavras acerca do Estado platônico vejamos um trecho da obra de Norberto Bobbio que tem por título A Teoria das Formas de Governo, onde ele faz a seguinte descrição de Platão e sua República:

"O diálogo A República é, como todos sabem, uma descrição da república ideal, que tem por objetivo a realização da justiça entendida como atribuição a cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com as próprias aptidões. Consiste na composição harmônica e ordenada de três categorias de homens – os governantes-filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos trabalhos produtivos." (BOBBIO, 1998, p. 45)

Assim, vimos que o grupo dos produtores não é o mais importante para a organização e administração do Estado platônico, pois Platão, neste aspecto da formação do Estado, se importa mais com a educação dos guardiões que são formados pelos guerreiros e pelos governantes, porquanto os produtores são separados desde muito cedo para receberem uma instrução baseada na atividade que exercem (cf. A REPÚBLICA, 423d), ou seja, uma educação segundo sua natureza destinada para o ofício.

Portanto, o grupo dos guardiões, segundo Platão, será aquele grupo que se dedicará aos cargos públicos pelo fato de ser superior ao grupo dos produtores, logo, os mais aptos para exercer o governo. Deste modo, estes são os que cuidarão da liberdade do Estado. (A REPÚBLICA, 395c). Em consequência disso, os governantes têm um papel muito importante na constituição da pólis platônica, pois a eles é confiado o poder de legislar sobre a cidade com equidade. No entanto, essa tarefa não é nada fácil, pois exige do governante uma formação educacional adequada para que ele possa exercer um governo justo, a saber, eles devem se tornar filósofos (cf. A REPÚBLICA, 473d). Assim, os governantes se distinguem dos guerreiros na medida em que eles devem chefiar o Estado enquanto o segundo deve proteger.

Essa divisão do Estado platônico em três grupos, ou até mesmo classes, só faz sentido porque para Platão, cada Homem tem uma alma de natureza diferente um dos outros. Logo, toda a cidade também deve ter partes diferentes que são análogas aos tipos de almas existentes e que predominam em cada Homem. Isto faz da politéia um mega-antropos porquanto deve se tornar justa conforme são os seus cidadãos (cf. A REPÚBLICA, 435b).

Deste modo, percebemos que a pólis platônica é uma cidade que suscita a reflexão sobre um lugar adequado para a aplicação do conceito de justiça, ou seja, aquele ao qual cada grupo de habitante deve fazer o que lhe é mais adequado segundo sua natureza (cf. A REPÚBLICA, 433a), a saber, os produtores devem exercer seu ofício, os guerreiros devem guardar a cidade e os governantes devem legislar. Portanto, essa divisão da cidade nos remete aos tipos de alma que compõe cada indivíduo, que são a concupiscível, irascível e a racional.

Assim, cada tipo de alma corresponde a um determinado grupo da cidade (cf. A REPÚBLICA, 442). Os produtores têm uma alma concupiscível, pois são conduzidos pelos apetites, os guerreiros uma alma irascível porquanto são tomados de ímpeto pela ira e os governantes por sua vez possuem uma alma racional (cf. A REPUBLICA, 439d-e), que consiste na inteligência necessária para a deliberação da cidade.

Com isso, podemos entender que a alma racional deve governar o restante das demais partes da alma, e do mesmo modo, a cidade também deve ser governada pelo grupo que possui a alma racional (cf. A REPÚBLICA, 441e). Neste aspecto, denota-se que no Homem há elementos distintos que exercem movimentos contraditórios, conforme Platão ilustra com o exemplo do arqueiro, que exerce dois movimentos distintos mutuamente, com uma mão puxa e com a outra empurra o arco (cf. A REPÚBLICA, 439c). Deste mesmo modo ocorre na alma humana, pois em parte o Homem deseja e em parte repudia. Logo, o desejo configura-se pela natureza concupiscível e o repúdio pela ação da razão, aliado a isso, a irascibilidade pode exercer uma ação favorável à razão e contrária à concupiscência (cf. A REPÚBLICA, 440b). Por esse motivo Platão desenvolveu um sistema educacional apropriado ao caráter de sua pólis ideal.



Copyright(C) 2008 por Fabiano Lima Simor.
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