quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Antropologia Platônica


INTRODUÇÃO

O presente texto tem por objetivo abordar o tema da antropologia platônica, e com essa abordagem tecer alguns comentários para nossa discussão sobre o que vem a ser o humano para Platão. Diante disso, daremos início ao nosso discurso a partir da concepção platônica de humano físico, após isso falaremos sobre o humano transcendente e mais adiante sobre a relação que há entre esse humano e a pólis.

No entanto, por ora vamos apenas antecipar o que vem a ser esse humano em Platão de modo bem sucinto, pois é da ciência de todos que para Platão o humano não se define apenas por seu aspecto físico, mas essencialmente por sua alma. Portanto, é a partir daí que se define mais propriamente a antropologia platônica, quando se tem em mente que esse humano é na verdade algo que transcende o estamento físico.

Mas ao falar do humano que transcende sua condição limitada e física, isso nos conduz ao que Platão pensou sobre a estrutura do mundo, que segundo seu pensamento, esse mundo é dividido em sensível e supra-sensível. Então, a partir dessa concepção de mundo é que Platão concebe um modelo de humano tido como perfeito ao ponto de ser aspirado pelo humano físico com o fim de se aperfeiçoar ao nível do seu arquétipo ideal.

Por conta disso, podemos perceber que o humano é aquele animal suscetível à educação, pois é esse tipo de humano que está contido nos diálogos platônicos. Assim, denota-se que de entre todos os animais o humano é o único dotado de razão (logos) e que faz uso da inteligência (nous) para se constituir enquanto ser existente.

I. O HUMANO FÍSICO ENQUANTO SER ANIMAL

O humano em sua característica mais primitiva não se diferencia muito dos demais animais, exceto é claro, por sua capacidade racional. Mas ainda falando sobre sua condição primitiva é necessário pelo menos deixar claro, que enquanto animal, o humano é aquele ser que está suscetível aos seus extintos e apetites próprios de sua condição animal como base natural.

Deste modo, esse humano que está contido nos diálogos platônicos não é de forma alguma dissociado de sua condição física, até porque, o humano antes de tudo é primitivamente um ser físico. Mas dizer que o humano é um ser físico não significa que ele se define estritamente só por esse aspecto, muito pelo contrário, Platão vai definir o humano por todas as suas dimensões, na proporção de chegar ao cosmos humano.

No entanto, o humano enquanto ser constituído de matéria ele é suscetível tanto à fome quanto à dor e à morte, igualmente aos demais animais. Talvez por conta dessa última condição humana física (a morte) é que Platão se importa tanto em entender tal humano que habita do mundo sensível repleto de circunstâncias que levam o humano à degeneração de sua condição racional.

Quanto a isso, nenhum ser humano foge a regra, mas como estamos tratando de seres humanos, essa regra como qualquer outra tem sua exceção. Por conta disso, mesmo que o humano seja constituído primitivamente por extintos, apetites e sujeito à morte, ainda assim ele não deixa de conter em si uma abertura para a transcendência, o que lhe dá uma dimensão diferente da primeira exposta por nós, como o ser humano enquanto ser animal.

Deste modo, partiremos agora para a parte que abordaremos o humano constituído de alma, que agora, não é um ser apenas físico, mas sim, um ser que transcende sua própria condição física. Daí, teremos a partir de então uma espécie de dualidade que constitui o humano, que é corpo e alma.

II. A ALMA COMO DIMENSÃO TRANSCENDENTE DO HUMANO

Segundo Evilázio Teixeira, um comentador dos diálogos platônicos, “o gênero humano é marcado fundamentalmente por duas tríades: a tríade composta de mente-vontade-coração e a tríade trágica marcada pelo sofrimento-culpa e morte”. (TEIXEIRA, 1999, p. 24) Estes dois conjuntos compostos por três dimensões são o que torna o humano no que ele de fato é, mas isso é claro, pensado o humano a partir de sua condição imperfeita que vive em busca de se aperfeiçoar.

A respeito disso, podemos então dizer que o humano manifesta em sua trajetória a condição de vir-a-ser, pois por ele ainda ser um animal e com isso imperfeito, este homem está sempre em busca de se constituir plenamente, pois aspira por isso tal como se fosse o oxigênio de sua alma.

Diferente dos animais, que estão na natureza como seres já dados, prontos, e, portanto, fechados, o homem traz com sigo o imperativo de crescer sempre mais no seu ser. Sua vida se manifesta como abertura. Através da relação e na relação, existe a possibilidade de tornar-se sempre mais e melhor. (TEIXEIRA, 1999, P. 24)

Essa possibilidade humana que tende sempre para algo melhor é que caracteriza o humano como ser transcendente, mas isso, só por ele ser dotado de uma alma inteligível. Tal possibilidade só é possível mediante a existência de uma alma que habita o status físico, ou seja, o corpo humano. Mas o corpo em si só é imperfeito e inacabado segundo Platão, por isso, não há como o humano ser pleno em seu estado puramente físico, a não ser se ele se dedicar a filosofia como caminho para a vida feliz (aqui a vida feliz é entendida por Platão como vida plena).

Nessa medida, podemos então dizer que Platão vê na alma uma característica que é diferente do corpo, tal característica é a imortalidade. Pois como o corpo é sujeito à morte ele acaba sendo uma espécie de invólucro para a alma, com isso, a alma passa a ser a dimensão humana que tende sempre para o divino.

Nesta dimensão, então, a alma humana contém em si mesma a forma do arquétipo, sendo assim para Platão, a parte mais sublime que constitui o ser humano, pois sua natureza tende sempre para o Bem supremo que está no topo da hierarquia das idéias platônica.

III. A RELAÇÃO ENTRE O HUMANO E A PÓLIS

Por causa da dimensão transcendente que constitui o humano, Platão irá entender o humano como um ser racional que tende para o divino, além disso, neste humano há também a dimensão política, pois o humano é alguém que vive em sociedade e se organiza dentro de uma comunidade. Diante disso, Platão entende que a alma humana é divida em três partes, ou três virtudes potenciais, sendo elas: a temperança, a coragem e a sabedoria.

Essa tripartição da alma tem haver com a constituição da cidade (pólis) que Platão se propôs idealizar. Por conta dessa associação entre humano e cidade, Platão vai dizer em sua obra A República, que uma cidade só pode ser plenamente justa se ela for habitada por homens justos.

S – Ora pois atravessamos a nado, com grande custo, este mar de dificuldades, e concordamos perfeitamente que há na cidade e na alma de cada indivíduo as mesmas partes, em número igual.
G – É isso.
S – Logo, não será desde já necessário que o indivíduo seja sábio naquilo que é a cidade?
G – Sem dúvida.
S – E que naquilo em que o indivíduo é corajoso, e da mesma maneira, assim o seja também a cidade, e que em tudo o mais que a virtude respeita, ambos se comportem do mesmo modo?
G – É forçoso.
S – Logo, segundo julgo, ó Gláucon, diremos que o homem justo o é da mesma maneira que a cidade é justa. (A República, 441c-d)

Desta maneira, para Platão humano e cidade são em essência idênticos, sendo que, a alma humana é o microcosmo e a pólis o macrocosmo. Nesta medida, tanto a cidade é constituída para a vida social humana quanto a vida humana é destinada para a cidade e vice-versa. Nesta medida, o humano concebido por Platão é ao mesmo tempo uma tríade, sendo ele o indivíduo que habita a cidade (como ser físico), o arquétipo que habita o mundo das idéias (ser supra-sensível) e por fim a idéia de ser humano que habita o intelecto. Por conta disso, temos o que é chamado na tradição metafísica de o argumento do terceiro humano. Ou seja, isso se refere ao humano nos aspectos de seu conceito, de sua natureza e de sua essência, mas é claro, que Platão concebe essa idéia de humano como algo de caráter ontológico, e assim, ele não está dissociado de seu corpo, alma e cidade. Pois o humano pleno platônico é, em última análise, essas três dimensões acima citadas.



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